Eletrificação do transporte: chave para a transição climática

18 minutos

Estamos a entrar numa nova década e o primeiro mês de 2020 já lá vai. Que desafios climáticos nos aguardam neste novo século? 

Infelizmente, a conferência COP25, celebrada no final de 2019, não dissipou muitas dúvidas.

Embora boa parte dos relatórios sobre esta transição climática sejam pessimistas, refletem também a necessidade de um esforço renovado por parte das sociedades, ONG e empresas para agirem quando os governos não tomam medidas. Relatórios recentes publicados pelo Global Carbon Project calculam que as emissões de combustíveis fósseis e das indústrias continuarão a aumentar em 2020, salientando a necessidade urgente de uma transição para fontes de energia mais justas e ecológicas. De facto, o antigo vice-presidente dos EUA, Al Gore, salientou que devemos continuar a aumentar a quota de mercado das energias renováveis a nível mundial. Vejamos porque é que esta transição energética é tão urgente e o papel fundamental que a eletrificação dos transportes pode desempenhar nesta nova década. 

Qual é a situação atual?

climate change protesters rallying for a clean climate transition

Podemos dizer que a mudança climática é um dos aspetos políticos mais importantes das nossas vidas e o CO2 é um dos fatores que mais contribuem para esta mudança climática. Este gás é emitido tanto de forma natural como através da ação humana, mas as nossas emissões são as que causam as mudanças mais devastadoras à escala global: branqueamento do coral, extinção de espécies, clima mais errático e extremo, etc. Entre outras atividades, o CO2 é emitido através do fabrico de cimento, da desflorestação e da queima de combustíveis fósseis. A utilização da energia nos transportes, para a produção de eletricidade, no aquecimento, nas empresas, nos edifícios, etc. representa cerca de 75% das emissões de gases com efeito de estufa a nível mundial. Por isso, se alterarmos a forma como produzimos energia, poderemos reduzir drasticamente estas emissões e abrandar as alterações climáticas.  

Produção de energia: situação atual e alternativas

Dependência continuada dos combustíveis fósseis

A dependência energética humana das fontes emissoras de CO2 é ainda enorme. Continuamos a depender massivamente da queima de combustíveis fósseis e outros processos relacionados com combustíveis fósseis para a nossa vida diária, desde o transporte até aos eletrodomésticos, passando pelo aquecimento. Nos EUA, por exemplo, 80% de toda a energia é produzida através de combustíveis fósseis. Esta dependência está a aumentar juntamente com as economias dos países desenvolvidos, pois é necessária mais energia à medida que a qualidade de vida melhora. Por conseguinte, precisamos de uma transição para formas mais justas e ecológicas de produção de energia. A boa notícia é que isto já está a acontecer.

Fontes de energia alternativas 

A nível de produção de energia, existem duas alternativas fundamentais à queima de combustíveis fósseis:

1) Energias renováveis

managers discussing renewable energy project focused on wind turbines

Turbinas eólicas, painéis solares, barragens hidroelétricas, etc. Energias renováveis são um tipo de energia que se obtém a partir de fontes renováveis, tais como luz solar, o vento, a chuva, as marés, as ondas e o aquecimento geotérmico, e que se reabastece dentro de um período aceitável à escala humana. Como acontece com todas as formas de energia, a maioria das fontes renováveis provêm direta ou indiretamente do sol. Por outro lado, cada fonte de energia renovável produz eletricidade de forma diferente. No caso das turbinas eólicas, por exemplo, a energia do vento move duas ou três pás, semelhantes a uma hélice, juntamente com um rotor que, por sua vez, gira um gerador para produzir eletricidade. Outro exemplo são os painéis solares, que convertem os raios solares em eletricidade, estimulando eletrões em células de silício com os fotões da luz solar. E assim sucessivamente.

2) Centrais nucleares 

Trata-se de um tipo de central elétrica que utiliza o processo de fissão nuclear para gerar eletricidade. A fissão nuclear é uma reação nuclear ou um processo de decaimento radioativo em que o núcleo de um átomo se divide em dois ou mais núcleos mais pequenos e mais leves. Produzem eletricidade utilizando reatores nucleares em combinação com o ciclo de Rankine, onde o calor gerado pelo reator converte água em vapor, que gira uma turbina e depois um gerador, que produz eletricidade. 

Aspetos a ter em conta: 

As centrais nucleares têm um funcionamento limpo, são fiáveis e de baixo custo, embora os resíduos radioativos e os acidentes nucleares representem sérios riscos para a saúde das pessoas e para o ambiente. Além disso, os materiais utilizados nas centrais nucleares continuam também a ser escassos e de difícil acesso. 

As energias renováveis são, portanto, a melhor opção. Qualquer técnica de produção de energia tem algum tipo de impacto. Por exemplo, a construção das turbinas eólicas requer muita energia, mas quando planeadas de forma inteligente, podem produzir grandes quantidades de energia de forma fiável e sustentável. De facto, a quota das energias renováveis no mercado global da energia é agora de cerca de 30%, tendo havido um enorme aumento do consumo de energia eólica, solar e hidroelétrica desde 1960. 

Uma oportunidade para o transporte

modern electrified public transport electrified tram

Os transportes são responsáveis por cerca de 25% de todas as emissões globais de gases com efeito de estufa. Isto deve-se, na maior parte, aos veículos que consomem combustíveis fósseis que muitos de nós utilizamos todos os dias, os quais emitem diretamente gases com efeito de estufa para a atmosfera. Assim, combinar a transição para fontes de energia renováveis com o uso generalizada de veículos de baixo consumo energético, como bicicletas, e meios de transporte elétrico, desde automóveis a autocarros, poderia fazer uma enorme diferença para as emissões globais de gases com efeito de estufa. 

Armazenamento de energia: porque é que os veículos elétricos são fundamentais para a revolução elétrica

Além do que já foi dito, os veículos elétricos podem também desempenhar um papel importantíssimo ao facilitarem a transição para sociedades mais sustentáveis através das suas capacidades de armazenamento de energia. Com a invenção dos carregadores bidirecionais, os veículos elétricos podem, de facto, proporcionar capacidades de armazenamento importantes para grandes redes de energia renovável. Os carregadores bidirecionais, por vezes conhecidos como carregadores CC ou V2G (do veículo para a rede) ou V2H (do veículo para casa), permitem que a energia entre e saia dos veículos elétricos. São diferentes dos tradicionais carregadores unidirecionais de veículos elétricos, com os quais a energia apenas flui da rede para o veículo. Com este sistema bidirecional, os veículos elétricos podem ser utilizados como minibaterias de armazenamento de energia para toda a rede, sobretudo quando existam em abundância na sociedade.

home ev charging station connected to renewable energy production plant - self sufficient home thanks to electrified transport

Ambos os sistemas — V2G e V2H — tornar-se-ão mais importantes à medida que formos avançamos para sistemas de energia totalmente renováveis. Isto deve-se a que a quantidade de energia que estas fontes produzem pode variar em função da hora do dia ou da estação do ano. Por exemplo, é evidente que os painéis solares captam a maior parte da energia durante o dia, as turbinas eólicas quando há vento, e assim por diante. O carregamento bidirecional permite que o armazenamento de baterias de veículos elétricos seja vantajoso para todo o sistema energético e até para o planeta propriamente dito! É fundamental que os veículos elétricos possam ser utilizados para equilibrar o fluxo de energia renovável. Por outras palavras, as suas baterias podem ser utilizadas para capturar e armazenar o excesso de energia solar ou eólica para que haja disponível em momentos de grande procura ou quando a produção de energia é menor, por algum motivo. Isto aplica-se não só aos veículos elétricos ligeiros, mas também aos autocarros elétricos, aos camiões elétricos, aos comboios elétricos, etc. 

Concretamente em relação aos veículos elétricos particulares, isto também abre novas possibilidades para a democratização da energia. Microrredes comunitárias, como a Brooklyn Micro-Grid de Nova Iorque, podem utilizar as capacidades de armazenamento dos veículos elétricos para criar sistemas redes elétricas mais autossuficientes e para armazenarem energia, com o objetivo de a venderem novamente à rede pública local. Desta forma, a eletrificação do transporte terá um efeito positivo no consumo futuro de energia. Por outro lado, os papéis e os processos do setor energético estão a evoluir à medida que avançamos para um ambiente mais renovável e adaptado aos veículos elétricos.  Graças à ajuda de iniciativas como as microrredes comunitárias ou a instalação de fontes energéticas residenciais, os consumidores têm mais oportunidades de se tornarem autossuficientes em termos energéticos e de venderem o excesso de energia aos fornecedores tradicionais. 

A eletrificação do transporte abrirá o caminho para um futuro mais sustentável

Neste sentido, não devemos pensar em transportes elétricos apenas como meios de transporte ecológicos, mas sim visualizar o sistema energético de forma holística. Visto desta forma, o transporte elétrico pode desempenhar um papel fundamental, facilitando o transporte ecológico para milhares de milhões de pessoas e regulando e estabilizando as redes elétricas, alimentadas por energias renováveis. Por outras palavras, o transporte elétrico é fundamental para a transição para uma sociedade elétrica, justa e ecológica. Avançar para um mundo com maior influência das energias renováveis e para um sistema de transporte de elétrico não será fácil, mas a esperança é muito grande, graças à contribuição de projetos comunitários e empresariais. A chave consiste em que todos continuemos a colocar o nosso grão de areia. Como diz a Greta Thunberg, «ninguém é demasiado pequeno para fazer a diferença».